A paternidade socioafetiva e o direito à herança
A destinação do patrimônio de uma pessoa após sua morte é regulada pelo Direito Sucessório, podendo ser disposta pelos ditames legais ou pela via testamentária, isso de acordo com o artigo 1.786 do Código Civil. Com base no princípio da igualdade entre os filhos e com fulcro no artigo 1.593 do Código Civil, cabe observar que o parentesco não se funda apenas pelo critério da consanguinidade, devendo ser acolhida a tese de paternidade socioafetiva diante do reconhecimento da posse do estado de filho. Desse modo, a não consideração da paternidade socioafetiva apenas pela ausência de reconhecimento expresso caracteriza um equívoco.
No que tange à investigação de paternidade biológica, ou à ação negatória de paternidade com desconstituição do vínculo, com fins exclusivamente sucessórios, torna-se descabido o pedido. O falecimento de pessoa adotada exclui a possibilidade de chamamento dos pais biológicos, reconhecendo apenas seus ascendentes adotivos como legalmente sucessíveis. Os parentes consanguíneos são totalmente afastados da herança em razão da capacidade do instituto da adoção romper os vínculos com a família biológica. Entretanto, o direito ao conhecimento da origem biológica é personalíssimo, imprescritível e indisponível, podendo ser exercitado sem qualquer restrição, quando ausente o constrangedor propósito econômico de requerimento do quinhão hereditário em virtude da matriz genética.
Conforme salientado, constitui direito personalíssimo a busca pela origem biológica, não podendo ser impedido seu exercício apenas pela existência de pai registral. A mera procedência da ação de investigação de paternidade não irá desconstituir o vínculo familiar existente e registrado, mas apenas permitir o exercício do direito de buscar a origem genética do indivíduo. Pelo caminho contrário, também deve ser possibilitada a anulação do registro civil quando não configurada a paternidade socioafetiva, concedendo-se prevalência aos liames biológicos, com todos os efeitos jurídicos decorrentes. Plausível, contudo, o ajuizamento de demanda declaratória de paternidade socioafetiva, confirmando todos os efeitos da filiação, inclusive os sucessórios, em respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana, solidariedade e melhor interesse da criança e do adolescente. A contrário sensu, o julgamento no sentido da impossibilidade jurídica do pedido desprezaria o tratamento igualitário aos filhos dentre as espécies de paternidade admitidas.
Assim, reconhecendo a presença dos elementos caracterizadores da posse do estado de filho e a plena igualdade entre a filiação, mostra-se inexistentes as razões que impeçam a declaração da paternidade socioafetiva e, consequentemente, todos os seus efeitos sucessórios e obrigacionais. A paternidade socioafetiva não pode ser concebida através de uma presunção, cabe ao julgador o dever de examinar, no caso concreto, a veracidade do vínculo afetivo, com a consequente declaração de existência de tal forma de paternidade.
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